sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nas ruas da minha cidade


             Uma imagem que diz mais que mil palavras. Este poema eu o escrevi em Janeiro de 1987. Era uma visão das ruas, que eu tinha das minhas cidades. Mais ou menos, as coisas não mudaram muito. Perderam-se 36 anos de incongruências e incompetências, de corrupção e manobras obscuras. E quando toca a pagar, são sempre os mesmos. Ah! E a receber também.


Nas ruas da minha cidade,
há automóveis, máquinas de andar,
pessoas que vegetam nos passeios,
que circulam sem nada verem,
que empurram a fadiga da noite,
nas ruas da minha cidade.

As montras brilham à noite, de luz
negada aos olhos das crianças.
Atraem as multidões, as compras,
os brinquedos de guerra, proibidos,
vendidos em tempo de amizade,
nas ruas da minha cidade.

Nas ruas da minha cidade,
há mendigos, homens dormindo
na nudez da manhã, frio entranhado,
grito de latido, uivo de cão vadio,                 
trapos de vida, errantes que se rasgam,
nas ruas da minha cidade.

Os dias acordam húmidos, geadas,
o néon rompe o nevoeiro, fumo sem fogo,
o sol, o calor dos sentimentos,
a revolta contida, frio de mármore,
a passiva visão real de uma verdade,
nas ruas da minha cidade.

Nas ruas da minha cidade,
há ruas dentro das avenidas,
jardins com flores, canteiros de pedra,
estátuas, corpos sem profissão,
há palácios, há tabernas, há cafés,
nas ruas da minha cidade.

Os semáforos invadem a cidade,
os sinais, condicionam as ruas,
engarrafando, os peões atropelados,
as passagens, o sentido único,
o sentido proibido, o falso sentido,
nas ruas da minha cidade.

Nas ruas da minha cidade,
há policias, marginais da vida,
prostitutas, mulheres, pederastas,
corpos vagueando entre passos
perdidos, nas pedras das calçadas,
nas ruas da minha cidade.

Nas cálidas tardes, o centro (cívico)
urbano, a actividade passiva, passada
na discussão das ideias, idealizadas
nas esplanadas que invadem, a calma
sensível da cumplicidade burguesa,
nas ruas da minha cidade.

Nas ruas da minha cidade,
há mendigos, há crianças, há tabernas,
cães vadios, olhos amargos, vidas perdidas.
há ruas dentro das avenidas.


Castelo Branco, Janeiro de 1987.

Texto: Victor Gil 
Fotografia:  Internet (Google Imagens)

3 comentários:

Joalex Henry disse...

Eu acho que as ruas das nossas cidades não mudaram mesmo nada! E afinal o que é que mudou no país? Até as moscas ainda são as mesmas...
E Abril? Tão distante que ele está!

Um abraço.

Chapa disse...

Muito bom!

Dulce disse...

lindo poema, muitos parabens!